quinta-feira, 8 de setembro de 2011
1ª Beer Experience, parte 3 -
Mineira com sotaque de gringa, sô!
A primeira vez que vi uma Wäls, me chamou a atenção a garrafa em formato de mini-champanhe (330 ml, creio), em vidro verde, com rolha. Do rótulo classudo com a logomarca e a tipologia feitas para remeter aos brasões europeus, aparentemente, duas informações queimaram as minhas retinas: era uma quadruppel, e feita por uma cervejaria mineira.
Pra mim, Minas Gerais (ó, Minas Gerais) sempre foi terra de cachaças artesanais. Particulamente não gosto, mas tenho camaradas que apreciam bastante e contam maravilhas do que experimentam por lá. Fiquei um pouco impressionado com a "ousadia" deles de atacar num estilo de belgian ale complexo, e decidi levá-la.
Não me decepcionei com o resultado. A mineirada conseguiu mesmo. De lá pra cá, vez por outra compro uma quadruppel ou uma dubbel, que também achei perto de casa.
Na 1ª Beer Experience, a Wäls estava com um estande servindo em choppeiras suas deliciosas cervejas artesanais. Após uns dois copinhos da dubbel e de ter comprado por R$ 55 um kit com a garrafa da tripel de 750 ml e copo, parei para conversar um pouco com o Tiago Carneiro, que toca a empresa junto com o irmão, o cervejeiro José Felipe, e o apoio do pai, Miguel.
Quando contei a proposta do blog, de abordar o mercado cervejeiro como "consumidor interessado", não como especialista, ele me surpreendeu: "É a melhor coisa que você faz. Vejo muito especialista por aí dizendo que a nossa cerveja tem notas disso ou daquilo e dá vontade de perguntar... quem foi que colocou isso lá? Não fomos nós!". Tiago explicou como surgiu a cervejaria, uma 'costela' dos negócios familiares no ramo de lanchonetes, e destacou a preocupação deles com a qualidade do produto, mesmo em detrimento lucros mais altos.
BATE-PAPO // TIAGO CARNEIRO, DA CERVEJARIA WÄLS
A Wäls é uma empresa familiar? Quem são os sócios?
Somos uma empresa familiar. Eu e meu irmão, com o suporte do nosso pai. A Wäls surgiu na década de 1990. Nós montamos a operação, inicialmente, para abastecer nossa rede de lanchonetes com chopp próprio. O projeto das cervejas artesanais começou quando nós viemos uma edição da [feira do mercado cervejeiro] BrasilBrau. Em 2008, começamos a envasar cervejas especiais. Nossa primeira, por incrível que pareça, foi uma dubbel, muito difícil de fazer, uma cerveja tipo belga, refermentada na garrafa. Depois, vieram as outras, a trippel e a quadruppel.
Sendo um negócio paralelo, como vocês classificam o resultado da operação até agora?
É um trabalho mais recente, muito difícil de fazer, mas que vem se mostrando muito gratificante para nós. Fazemos com muito carinho mesmo. A gente não solta cerveja antes do tempo, todas as nossas cervejas tem o tempo de maturação correto, de refermentação correto, nós respeitamos muito isso, não antecipamos nenhum momento. Talvez até por isso haja uma certa dificulade de encontrar essas cervejas no mercado. O produto já leva muito tempo para se fazer. Depois de envasadas, elas vão para uma adega, ficam refermentado… a Wäls Bohemia Pilsner, por exemplo, tem um tempo de fermentação muito grande. Todas as nossas cervejas também passam pelo processo de dry hopping, que é a extração dos aromas do lúpulo após a cerveja pronta.
Em termos de estilo, elas são muito diferentes do que o brasileiro conhece.
São cervejas que vale a pena experimentar de cabeça aberta, porque são produtos mais inovadores Também temos cervejas para quem está iniciando, como a X-Wäls, que também passa pelo dry-hopping.
Quais cervejas de vocês demoram mais a ficar prontas e quais são as mais rápidas?
Até a X-Wäls, que é mais simples que a gente tem, tem um tempo de maturação mais extenso, são uns 30 dias. A Wäls Pilsner fica uns 45 dias, e todas as belgas, no mínimo três meses.
Essas pecularidades da produção se refletem até no preço.
São cervejas que algumas pessoas acham caras, mas são muito difíceis mesmo de fazer, e tudo isso incide no custo. São muitos ingredientes importados...
... Com alta carga de impostos em cima. Como você avalia isso?
O imposto, hoje, no país, é o que mata. Em qualquer negócio hoje em dia a carga de imposto é elevada, mas cerveja é altamente tributada, também pela União em todos os estados. Em torno de 60% do preço é imposto. E as cervejarias artesanais também sofreram com a alteração da lei federal, que pauta o produto pelo preço final de mercado. Ou seja, se você tem uma cerveja que usa, vamos dizer, ingredientes melhores do que as cervejas de massa, embalagens diferentes, rótulos, obviamente, ela vai chegar ao consumidor por um preço mais elevado. E o produto é taxado de acordo com o preço final de venda dele. O que acaba até inviabilizando a cerveja em alguns estados, em que o ICMS é muito alto. Não vale a pena você mandar o produto, porque ele vai chegar num preço tão alto que a gente acha até falta de respeito com o consumidor.
Vocês estão distribuindo em que estados atualmente?
Hoje, temos uma distribuição focada no estado de Minas Gerais; em São Paulo estamos fazendo um trabalho interessante junto com a turma da Brasil Ways, que importa a Brooklyn, a Damm e a Harviestoun; no Rio de Janeiro estamos com um distribuidor, já é possível achar em alguns mercados; em Brasília também estamos fazendo um trabalho muito bacana. Basicamente, nestes quatro estados.
E a produção mensal, em média, é de quanto?
É difícil de falar porque como são produtos bem complexos, depende de tipo de cerveja a gente produziu naquele mês… a gente não consegue ter uma média, porque elas ficam muito tempo para serem feitas. Tem cervejas que ficam três meses no tanque, então quando você vai fazer uma média mensal… não reflete bem. Mas o nosso foco é a qualidade. A última coisa com que a gente se preocupa na Wäls é volume. Falando abertamente pra você, o que a gente quer é ter um produto de extrema qualidade, independente de quanto tempo precise para isso.
O investimento inicial foi pesado?
Hoje em dia, a microcervejaria de pequeno porte, esquecendo a parte de envase, fica em torno de R$ 1 milhão a R$ 1,5 milhão, sem contar também o imóvel, o terreno. Ou seja, só equipamento: barril, choppeira, a sala de brassagem, etc. Mas quando se vai dar passos maiores, como nós estamos dando, no caso de envase, o gasto é exponencial. Tivemos que investir R$ 500 mil numa envasadora, e aí tivemos que comprar também mais uma rotuladora, e uma boa rotuladora custa R$ 100 mil, e por aí vai crescendo, estoque de garrafa que tem que fazer…
O retorno está previsto em médio prazo?
Longo prazo. A gente brinca muito que a Wäls é uma semente que nós estamos plantando, mas que em menos de dez anos, o retorno é inteiramente sem chance.
// FIM DO BATE-PAPO //
Chegando em casa, obviamente, restou-me provar a Wäls Trippel, que veio numa caixa com duas belas tulipas. O que posso dizer? Bom, eles conseguiram. A beleza da trippel começa pela cor dourada escura. Se tentar enxergar o outro lado do copo, nada feito. É bem encorpada, como manda o estilo, e tem aroma de malte e frutas. Não aparenta, no cheiro, o teor alcoólico de 8%. A espuma é espessa, cremosa, e demora a se dissipar.
Na boca, é levemente ácida, e o amargor é bem equilibrado. O gosto do álcool demora a aparecer, mas fica até – e principalmente, no final, de média duração, dividindo espaço com o malte. Resumido, pra quem ainda não entendeu: a Wäls Trippel é deliciosa, e experimentá-la é dever de todo cervejeiro e cervejeira deste País. Questão de orgulho cívico, até. Não deixa rigorosamente nada a dever às gringas - e até supera algumas.
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