quinta-feira, 25 de outubro de 2012

'Quero provar cervejas com gosto de Brasil' - ENTREVISTA EXCLUSIVA COM GARRETT OLIVER



Em viagem a Nova York no meio deste ano, encontrei o mestre cervejeiro da Brooklyn Brewery, Garrett Oliver, por acaso, bar Blind Tiger, no SoHo. Coincidentemente, no dia em que fui levado lá por meu beer-cicerone novaiorquino - um executivo de médio escalão de um banco de investimentos com sede no distrito financeiro da cidade - o bar estava recebendo um evento de degustação de lançamentos e clássicos da Brooklyn, e ele estava lá para dizer algumas palavras alusivas. Amaciado por dois deliciosos exemplares da "reserva do mestre cervejeiro", o wheat wine The Companion e a specialty ale The Concoction, apresentei-me como jornalista e beer blogger brasileiro e pedi uma entrevista.

Ao ouvir que eu era do Brasil, ele abriu um sorriso e topou na hora. Pediu que eu entrasse em contato para vermos os detalhes. Quando o fiz, Garrett veio com uma sugestão muito melhor que a simples entrevista que eu havia sugerido: me convidou para uma visita à cervejaria guiada por ele, junto com um cervejeiro argentino também visitante, e para o jantar harmonizado que promoveria na mesma noite para os distribuidores das suas cervejas na região.

Visitando o depósito: paraíso cervejeiro em forma de pilhas de caixas

À mesa: Local 1, 2 e Sorachi
Foi um passeio de cerca de duas horas, acompanhado por uma taça de single-hop farmhouse saison Sorachi Ace, pelas duas unidades da Brooklyn. A cervejaria em si - na qual conheci o Monster, o gato que ficava aninhado na sala de controle dos tanques de mostura - e um depósito a poucos metros desta. término, ele serviu ainda uma mesa com as suas preferidas da Brooklyn - a strong golden ale Local 1, a belgian dark abbey ale Local 2, Sorachi Ace - e ainda tirou da torneira uma taça da "big" IPA Blast, com uma espuma inacreditavelmente densa e duradoura.
Explicando o rótulo da Local 2

Contou a história do logotipo, desenhado pelo craque Milton Glaser (criador do logo "I love NY"), e da série "Local", estes inspirados no antigo sistema de trens da cidade. No caminho para o jantar, dirigindo seu carro esporte, Garrett fez uma análise das mudanças em curso na área, que estava se recuperando de um longo período de degradação socioeconômica.

A equipe da cervejaria se virando na cozinha, sob o comando do mestre

Cinco deliciosos pratos foram preparados na nossa frente na cozinha-escola de uma loja de especialidades culinárias que abriga cursos de culinária e zitologia. O cardápio incluiu uma raridade que ele ainda estava experimentando, a Wild 1, uma versão da Local 1 fermentada com “Brett” (como ele chama, carinhosamente, as leveduras Brettanomyces bruxellensis). Na sequência, fizemos a entrevista degustando uma dosezinha de lambuja da maravilhosa imperial stout Black Ops – e ainda saí de lá presenteado pela assistente dele com uma garrafa que sobrou da comilança/bebelança.

Plateia formada por distribuidores da Brooklyn

Garrett contou que foi convidado por Juliano Mendes, então à frente da cervejaria Eisenbahn, para fazer o que ele faz de melhor, ou seja: atuar como Embaixador da Cultura Cervejeira. Usar sua eloquência e simpatia para ajudar as pessoas a perceberem a riqueza do mundo da cerveja. Em 2006, participou de alguns jantares ao lado da chef Roberta Sudbrack.
Preparando o molho carbonara

Para ele, a cultura cervejeira brasileira se desenvolveu a partir da base histórica germânica, absorvendo primeiro as influências britânicas (por extensão, as estadunidenses), e, posteriormente, as belgas, em um espaço de cerca de quatro anos. Nos EUA, compara, a chegada da influência belga demorou 20 anos. "De certas maneiras, vocês estão crescendo mais rápido", afirmou.

Garrett deixou escapar, também, seu desejo de ver os brasileiros trabalhando com ingredientes mais característicos do país, citando, inclusive, a cana-de-açúcar, que será usada na saison colaborativa que fará, em novembro, com a cervejaria mineira de alma belga Wäls - ele desconversou quando perguntei sobre planos para o Brasil.

Garrett cobra uma personalidade realmente brasileira nas cervejas. Destaca o exemplo da Colorado com a rapadura. "Eu quero provar algumas cervejas que tenham gosto de Brasil" disse. "minha pergunta para cervejeiros brasileiros é: eu posso ver suas habilidades e a cerveja tem um sabor agradável, agora ... quem é você? O que você tem para nos mostrar?", desafiou, completando em seguida, diplomaticamente como de costume: "Eles vão nos mostrar algumas coisas muito legais, tenho certeza disso".


Missão cumprida, jantar encerrado, Garrett fala de suas experiências como cervejeiro
ENTREVISTA EXCLUSIVA
GARRETT OLIVER // MESTRE CERVEJEIRO DA BROOKLYN BREWERY


Como você vê o que está acontecendo no Brasil?

Bem, o Brasil me fascina, porque ... A primeira vez que fui ao Brasil foi há seis ou sete anos. Conheci a família Mendes, que comandava a cervejaria Eisenbahn. Eles vieram a mim e disseram: “Garret, nós estamos tocando uma cervejaria nova, precisamos de alguém para falar sobre cerveja, comida, a vida, e tudo mais, você pode vir para o Brasil e fazer alguns jantares conosco?”

Vocês promoveram jantares com a chef Roberta Sudbrack, em 2006.

Era um restaurante maravilhoso, sério... tantos lugares maravilhosos, de uma cidade a outra. Então, fui para a fazenda com a família, fui a Bombinhas, onde ficávamos na praia. Eles venderam a cervejaria, mas acho que os veremos novamente no mercado cervejeiro. Agora, eles são meus amigos, e visito o Brasil sempre. Na maioria das vezes, não para fazer negócios, mas só para me divertir. Mas é sempre bom voltar. E eu fiquei fascinado em ver a historia cervejeira que o Brasil tem. Porque eu não sabia, quando fui a primeira vez, que o Brasil tinha uma grande influência germânica na sua história, que gerou uma grande cultura cervejeira.

O que está acontecendo no Brasil agora é o que aconteceu nos EUA no fim dos anos 70?

Talvez, para nós, meados dos anos 90. E, em certos aspectos, vocês estão crescendo mais rápido. Vocês começaram com coisas vindas de uma tradição alemã. Logo, começaram a ver uma IPA aqui outra ali. Agora, vocês estão começando a ver a influencia belga chegando também. Você olha para a cultura cervejeira americana.... talvez você volte a 1983, 1984, e demorou 20 anos para começar a ter influência belga. No Brasil, talvez três ou quatro anos. Então, você vê um encurtamento do tempo de desenvolvimento. Eu vejo gente como o Marcelo da Colorado, e outros caras do Brasil viajando, pegando ideias sobre produção de cerveja, voltando para o Brasil e fazendo coisas realmente interessantes. Então, agora eu penso que vocês tem uma base, que começou com a herança alemã, depois adicionou a inglesa, depois a americana, belga... Eu acho que isso é o mais interessante... Eu quero ver alguém fazer uma cerveja com caju. Eu quero ver alguém fazer uma cerveja que tenha uma característica brasileira distinta. Talvez trabalhar com os produtores de cachaça para fazer alguma coisa com o caldo da cana, ou alguma coisa com esses aromas. Olhe o que a Colorado está fazendo com o açúcar da rapadura... e coisas como essa, para desenvolver sabores brasileiro distintos, eu acho que isso vai ser bem legal.

Você trabalhava para a HBO antes de ser cervejeiro. Quando voltou da Inglaterra, depois de ter provado cervejas de tantos sabores diferentes, pensou que aquilo mudaria sua vida de tal forma?

Não foi assim tão rápido, porque eu tinha um bom trabalho, estava ganhando um bom dinheiro, as coisas estavam bem fáceis. Então, quando que você sai de fazer outra coisa para fabricar de cerveja, na maioria dos casos você descobre que as coisas vão de "serem fáceis" a "serem difíceis". Mas isso é uma das coisas que faz a indústria cervejeira tão apaixonada, é que as pessoas tenham desistido de muita coisa. Elas saíram de empregos que estavam pagando-lhes um bom dinheiro, que tinham um futuro claro, e ainda tinham que pagar por suas casas, seus carros, seus filhos e tudo mais. Mas eles disseram, ainda assim: “Eu estou deixando de ser bancário, estou deixando de ser advogado, vou ser cervejeiro em vez disso. Vou ser feliz”. E isso é a coisa inspiradora. É por isso que o movimento da cerveja artesanal é tão inspirador, porque as pessoas desistiram de muita coisa, para fazer o que eles vão fazer. E agora que eles estão aqui, dizem: "Não vou me submeter. Vou fazer o que eu quero".

E como foi, para você a mudança?

Bem, foi difícil em alguns aspectos. Especialmente porque ... é você deixar de estar confortável para ficar com muito calor e se queimar. É como trabalhar na cozinha. Não é glamouroso. Pode ser divertido, mas não é glamouroso. Tem mangueiras e canos... mas há partes românticas. E eu acho que você tem que sentir aquilo. Se não está no seu coração, você não vai fazer. Não vale a pena, eu quero dizer. Você vai trabalhar muito, muito duro. Muitas pessoas pensam: “Ah, olha, todo mundo está falando sobre fabricação de cerveja artesanal, e há esses caras novos”... e então você vai lá, e eles dizem: “Cara! É muito quente aqui, isso é muito difícil. Eu estou fazendo um monte de trabalho de encanador. Fui para a faculdade por quatro anos, tenho nível superior, tenho mestrado, porque estou fazendo todo o trabalho de encanador?” E algumas pessoas vão além e veem a beleza nisto tudo e algumas param no caminho e voltam. É o mesmo que em qualquer outra coisa. Mas eu acho que o que faz a cerveja artesanal são as pessoas, suas ideias, seus sonhos, suas inspirações. As pessoas vão dizer: 'Sabe, há vinte anos, viajei para um lugar especial, e fiquei com um monte de sabores na cabeça e agora estou traduzindo esse monte de sabor em todos os tipos de cerveja.

Tem planos para o Brasil?

Bem, ainda não ... Tenho certeza de que o Brasil tem planos para o o Brasil, mas nós ... Nosso plano para o Brasil é só para ... já estamos envolvidos lá há alguns anos, conhecemos um monte de cervejeiros há alguns anos, e nós só queremos ser parte da cena e nos divertirmos. Quero dizer, obviamente, o Brasil é um país que, por 20 anos, ou mais, as pessoas têm dito: 'Brasil é o próximo grande país', e levou um pouco de tempo ... não só na cerveja. Na economia, etc. E agora você começa a ver: ok, finalmente agora está acontecendo, o Brasil vai se tornar, de certa forma, uma potência mundial, e um lugar em que as pessoas têm que prestar atenção. As pessoas têm prestado atenção por um longo tempo para a música e algumas outras coisas, mas nunca prestaram atenção à cerveja brasileira. Anos atrás, tínhamos a Xingu, que supostamente era a cerveja brasileira, e só. E não há nada de errado nisso, mas a cerveja brasileira é muito mais interessante do que isso. Então, o que eu estou animado é em ver o que os novos cervejeiros brasileiros vão fazer, quais serão suas ideias. Eles podem ter influências de outros lugares, farão boas cervejas algo parecidas com as nossas, ou algo como as belgas, mas acho que vai acontecer no Brasil é que as pessoas vão fazer cervejas que são essencialmente brasileiras, e que é o que é vai ser emocionante. Quando ouço música brasileira, eu digo: Isso é música brasileira. Nós pegamos coisas de música brasileira, mas ainda parece com o Brasil. Eu quero provar algumas cervejas que tenham gosto de Brasil. E nos próximos anos, é o que você vai ver. E isso é o que mais me anima. É ótimo que as pessoas façam outras coisas, você sabe, mas ... ok, mas a minha pergunta para cervejeiros brasileiros é: eu posso ver suas habilidades e a cerveja tem um sabor agradável, agora ... quem é você? O que você tem para nos mostrar? Eles vão nos mostrar algumas coisas muito legais, tenho certeza disso.

6 comentários:

  1. Espetacular a entrevista. Parabéns! Este cara é inspirador.

    Um abraço,
    Rafael Bertges

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    1. Rafael, foi a entrevista que mais curti até agora, em pouco mais de um ano de blog. Não só é inspirador como ele consegue a proeza de falar horas e horas sobre cerveja sem ser chato em nenhum momento.

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  2. Sensacional, parabéns. Abraço, Igor.

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  3. Parabéns. Como disse o Rafael o cara é uma inspiração para nós cervejeiros.

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    1. Valeu, Fred ! Sem dúvida, Garrett é uma fonte de inspiração para todo o mundo cervejeiro, ao lado de caras como Michael Jackson (a quem ele tanto admirava), Sam Calagione, Teo Musso...

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  4. Hey Marcio, tem que apresentar aquelas cervejas do Pará pra ele, as da Amazon Beer, que utilizam ingredientes regionais nas suas brejas, como cajá e talz http://amazonbeer.com.br/index1.html#/catalogue

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