terça-feira, 26 de novembro de 2013

Samuel Adams Utopias: garrafa fabricada no Brasil tem ouro na pintura

Produzida a cada dois anos, a Samuel Adams Utopias é um barley wine extremo que figura entre as cervejas comerciais regularmente disponíveis (excetuando raridades e edições ultra-especiais) mais caras do mundo, oscilando entre US$ 150 e US$ 350, em média, pela garrafa de 700 ml. Seus 27% de teor alcoólico (ABV), sua textura licorosa e seu sabor de caramelo e xarope de bordo (maple) já bastam para torná-la inesquecível. Mas quiseram os executivos da Boston Beer Company que sua garrafa fosse uma atração à parte. Para criá-la, a cervejaria recorreu a uma empresa já conhecida nos EUA por produzir elaboradas canecas de cerâmica para Anheuser-Busch, Miller e Pabst.

Os felizardos proprietários - como os responsáveis por este blog - de unidades de qualquer safra desta preciosidade, se já tiveram curiosidade de olhar o que há no fundo da garrafa, se depararam com a inscrição em itálico:

Decanter handcrafted by Ceramarte of Brazil exclusively for the Boston Beer Company.

Inscrição no fundo da garrafa revela origem. Quem tem, sabe. Foto: Marcio Beck

Instalada na pequena Rio Negrinhos, cidade da região Norte Catarinense a 250 km de Florianópolis, a Ceramarte tem nada menos que 57 anos no mercado. Na década de 70, segundo o site da empresa, ostentava o título de maior fabricante de canecos do mundo, com mais de 30 milhões de unidades produzidas somente para a Budweiser.

Foi fundada em 1956 pelo ceramista Klaus Schumacher. Alemão de Hamburgo, Schumacher tinha chegado ao Brasil apenas quatro anos antes, com a esposa, a técnica em pintura cerâmica Maria Erdmuthe, e a pequena filha Karin, de sete meses. Mudaram-se para Rio Negrinho após uma passagem por Pomerode, também em Santa Catarina. Schumacher morreu em 2011, aos 86 anos.

Na busca pela história de como a Ceramarte, fiz contato por email com a equipe de Marketing da empresa, que respondeu a algumas dúvidas, mas deixou outras no ar. A ideia de fazer em forma de um tanque de mostura (mashing tun) antigo partiu da própria cervejaria?

- Foi em conjunto. A Boston Beer não queria uma garrafa trivial. Como estava desenvolvendo uma cerveja especial, nada mais natural que envasá-la numa garrafa especial. Foram vários os modelos apresentados à cervejaria antes de chegarmos à forma final, que atualmente está no mercado - conta a gerente do departamento, Eneide Eckel, sem informar quando teriam começado os contatos entre a cervejaria e a fabricante de cerâmica.

Segundo ela, "a maior parte do desenvolvimento" do desenho do modelo coube à Ceramarte. O protótipo final, depois de idas e vindas ao cliente, demorou "quase um ano". O processo de fabricação, segundo ela, é feito de forma "quase artesanal", com mão de obra especializada. Cada garrafa demora cerca de uma semana para ficar pronta. A empresa não revela o custo de cada unidade, até por um detalhe-chave:

- O que diferencia a garrafa de Utopias e seu formato diferenciado é a aplicação de matérias nobres no acabamento. O lustre dourado, que lhe dá a cor característica, contém 10% de ouro puro, e as portas aplicadas à cerâmica são de metal folhado a cobre e bronze, com acabamento envelhecido.

'Vamos abrir a porta... digo, janela, da esperança!' Foto: Marcio Beck

Por fim, a empresa não descarta outras empreitadas  no ramo cervejeiro, mas não detalhou se já existem outros projetos sendo analisados.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Os cabeçudos atacam de novo - 2Cabeças, a cerveja sem marca... até quando?

Quase dois anos atrás, destacamos aqui no blog uma novidade. Uma cervejaria que começava produzindo não em instalações próprias, mas na fábrica de outra marca. E começava, ainda por cima, com um estilo que não era bem reconhecido como estilo - hoje, o panorama é bem diferente - e a respeito do qual os cervejeiros sequer conseguiam chegar a um consenso.

Black IPA? Dark Cascadian Ale? India Black Ale? Não importa. Foi batizada de Hi5, saudação característica nos EUA, inspirada por um detalhe pitoresco na produção - uma luva cirúrgica usada para tapar o fermentador inflou com os gases liberados pela fermentação e parecia pedir um cumprimento.

A Hi5 conquistou narizes e bocas do público e dos principais especialistas do país. Em seguida, veio a MaracujIPA. Reparando que os lúpulos presentes nas IPAs dos EUA muitas vezes traziam um aroma forte de maracujá, decidiram adicionar a própria fruta, num "dry fruiting" sobre uma base de IPA. Novamente, a cerveja foi (merecidamente) muito bem recebida. O mesmo ocorreu com a Saison a Trois, mais recente.

Nos últimos meses, os sócios da 2CabeçasBernardo Couto e Salo Maldonado ganharam a adesão de mais uma cervejeira cabeçuda, Maíra Kimura, que fez um relato apaixonado e realista de suas experiências na Inglaterra - exclusivo pro nosso blog.

Por sugestão do designer cabeçudo Bruno Couto (autor do blog Eu bebo sim e responsável pela comunicação visual da cervejaria), eles decidiram "trocar a marca por mais lúpulo". Adotaram um "X" estilizado que, segundo Bernardo, representa "a ausência, como buscar uma imagem no google e aparecer que a imagem não pode ser carregada". Golpe de marketing? Claro, mas com estilo.

As novas garrafas da 2 Cabeças, sem marca no rótulo. Foto: Divulgação

Assim, a 2Cabeças trocou o nome da Hi5 para X-BlackIPA e da MaracujIPA para X-IPA com Maracujá. A cervejaria lançou ainda, no Mondial de La Biére, duas novas criações: a X-Imperial lager, em colaboração com a Penedon, do cervejeiro Sérgio Buzzi, e a X-Session IPA. Novamente, duas receitas certeiras, mesmo para quem não é lupulomaníaco como este escriba. A X-Imperial Lager (também descrita como Imperial Pilsner) podia trazer mais lúpulos florais, mas seu aroma de grapefruit, manga e um pouco de maracujá é bem agradável.

Até quando isso vai durar, não se sabe... Para tentar entender um pouco do que se passa nas cabeças dos cervejeiros cabeçudos, preparamos, como de costume, "algumas" perguntinhas sobre isso tudo e disparamos o petardo para o Bernardo Couto. As respostas vocês conferem abaixo:


BERNARDO COUTO // Cervejeiro da 2 Cabeças

O que motivou a mudança? Quantas MaracujIPAs - digo, X-IPA com Maracujá - vocês beberam antes de chegar a essa ideia?

Boa pergunta, eu devia estar bebendo uma Maracujipa para responder... A mudança tem vários motivos, mas existia um senso coletivo, tanto nosso quanto do Bruno, de que a nossa identidade visual poderia ser melhor. E é isso que estamos buscando. Repare que estamos sem marca, ou seja, esse logo não nos representa! Também foi uma forma de nos mostrar em um caminho diferente, não só do meio cervejeiro, mas do mercado em geral. Há um apego muito grande a marcas, fórmulas "de sucesso" e isso não nos interessa. Enquanto as grandes empresas buscam associar pessoas de sucesso ou marcas consagradas às suas, perpetuar suas marcas, nós resolvemos apagar a nossa.

Já que existem muitas possibilidades no ar, existe a possibilidade de também abandonarem o nome 2Cabeças, já que agora são quatro - contando com a Maíra Kimura e o Bruno Couto?

O nome 2cabeças nunca foi, na nossa cabeça, associado a mim a ao Salo. Claro, as pessoas entendem isso e é natural. Mas o dois representa o coletivo, duas cabeças pensa melhor do que uma. O sim e o não. O zero e um. Hoje o mundo é binário. A Maíra tem uma importância muito grande no crescimento da 2cabeças, mas o nome permanece o mesmo com dois, três ou quarto sócios. Mesmo no início existiu a possibilidade de ter mais uma pessoa e o nome seria 2cabeças do mesmo jeito.

A opção por ser uma cervejaria "cigana" remete à Mikkeler. Que semelhanças e diferenças vocês veem no que vocês vêm fazendo em relação ao que os dinamarqueses fazem? 

Acho que eles são a maior inspiração neste modelo de negócio no mundo. A nossa grande vantagem é a liberdade para criar. Mas a gente não tem nenhuma inspiração neles em termos de marca ou receitas. Nós fazemos o que nós gostamos de beber, e imagino que ele também, e esse é o nosso norte. Acreditamos que fazendo produtos para a gente estamos fazendo para várias pessoas que pensam como a gente. Em termos de modelo de negócio, me inspiro muito mais na Brooklyn, que começou terceirizada e permaneceu assim por muito tempo até ter fábrica própria. Não que estejamos em busca da fábrica própria neste momento...

Que vantagens e desvantagens vocês estão vendo no modelo 'cigano'? Com a Penedon, vocês estão na sexta cervejaria (as outras foram Allegra, Magnus, Cidade Imperial, Mistura Clássica e Invicta). Existem outras em negociação para o futuro próximo? Como vocês avaliam a receptividade das cervejarias a este modelo? 

A gente não liga muito para esse currículo, ainda mais por conta de algumas experiências ruins que tivemos com algumas destas. Ainda há uma barreira a este tipo de cerveja por que quem tem a indústria ainda vê um pouco de concorrência, ou então se sente incomodado de não estar saindo uma cerveja de lá com receita do mestre-cervejeiro. Mas, cada vez mais, as cervejarias estão se abrindo à terceiros e acabamos puxando essa fila em várias delas. Para nós, está funcionando e pretendemos permanecer assim.

A devoção ao lúpulo não entra um pouco em contradição com a ideia da variedade da cultura cervejeira, de mais de 100 estilos de todos os sabores? Cerveja só presta mesmo se for amarga?

Cerveja só presta se for boa de beber! Das quatro saisons produzidas no Brasil, duas foram receitas nossas. Não acreditamos apenas no lúpulo, mas vemos ele com um grande tempero que muda a perspectiva do que as pessoas entendem como cerveja. Sim, nós adoramos lúpulos, fazemos muitas cervejas com muito lúpulo. Mas, ao mesmo tempo, em vez de dry hopping escolhemos usar maracujá em uma American IPA. Buscamos o equilíbrio, a inovação, mas, sobretudo, o prazer de beber!

Sobre a cultura cervejeira, acho que isso é plural. Não somos nós que temos que abrir todos os horizontes. Nós temos nosso caminho e outras cervejarias tem os deles. Na coletividade, se tem a diversidade de estilos. Acho que vale um adendo, nós somos lupulomaníacos que nunca lançaram uma American IPA tradicional, ou uma Imperial IPA. Há muito o que explorar, para todos os lados.

A Saison a Trois (ótima, por sinal) é a única cerveja de vocês até agora que não é uma bomba de lúpulo. Podemos esperar outras? 

Claro! Nós trocamos a marca por mais lúpulo, mas depois vamos ter que devolver esse lúpulo todo e pegar de volta uma marca, né? Temos a trilogia IPA completada com a Session. Agora podemos brincar de outra coisa.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Cervejeiro da Baladin propõe à Bodebrown e Colorado expedição amazônica em busca de receita



Um trio de cervejeiros - dois brasileiros e um italiano - se aventuram na mata amazônica em busca de ingredientes para uma nova cerveja colaborativa. Parece sinopse de uma versão cervejeira da Sessão da Tarde, mas é a proposta que o italiano Teo Musso, criador das birras Baladin, fez aos brasileiros Samuel Cavalcanti, da Bodebrown, e Marcelo Carneiro, da Colorado.

Foi o que Musso me contou em uma curta entrevista durante o Mondial de La Biére do Rio, realizado de quinta-feira a domingo.

- Quero ir ao meio da floresta e buscar as emoções e os ingredientes que vão resultar em uma maravilhosa cerveja colaborativa.

Pioneiro das birras artigianales no país do vinho, Musso não quis dar detalhes do projeto, mas disse que os dois brasileiros foram muito receptivos à ideia, e a viagem deve acontecer em meados de 2014.

Perguntei se ele faria como Sam Calagione, da Dogfish Head, fez com a Ta'Henket (de inspiração egípcia, que leva zathar e fruta doum) e tentaria encontrar uma levedura selvagem na Amazônia. Com uma gargalhada sonora, ele descartou a ideia.

- Não mesmo! Tenho a minha levedura, que sempre carrego na mochila. É uma levedura que venho cultivando há tempos, que alcança 100% de atenuação, e resulta em cervejas bastante secas.