quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Monastério dos EUA recebe selo da Associação Trapista Internacional

Sala de estudos e orações da Abadia de São José: novos trapistas. Fonte: spencerabbey.com
A Associação Trapista Internacional deu as boas-vindas, na mais recente edição de sua newsletter, ao monastério de São José (St. Joseph), em Massachussets, nos Estados Unidos, como seu 19º integrante, e o 1º fora da Europa. Os produtos certificados foram as compotas, geleias e marmeladas, mas está começando a fermentar a ideia da primeira cerveja trapista criada fora do continente europeu.

Quanto tempo até que eles passem a produzir cerveja? A especulação em torno do assunto começou há um ano, quando levantaram essa questão no fórum do Ratebeer, devido a uma reportagem do Telegram.com. Nela, o padre Robert, porta-voz da comunidade, citou que o "irmão Brian" estava fazendo curso de cervejeiro e mostrou-se bem pragmático:

- Há todo um culto quanto a beber cerveja. É para este mercado que vamos.

A julgar pela afirmativa, não restam muitas dúvidas que eles pretendem seguir o caminho da Engelszell, que recebeu o selo oficialmente em outubro, nada menos que cinco meses depois de sua aprovação ter sido anunciada, oficiosamente, em maio. A ITA não especfica a duração da avaliação, limitando-se a citar que dura "vários meses".

E que tipo de cerveja os trapistas dos EUA produziriam? Vão aderir aos anseios da nação lupulomaníaca (hophead) ou remeter às ales mais tradicionais? Veremos. Há ainda no Ratebeer um rumor sobre participação da Chimay no empreendimento, portanto, o que pode aparecer também, e agora estão ficando muito comuns, são os estilos híbridos reunindo o caráter maltado das belgas com a explosão de amargor dos lúpulos americanos.

A Volta ao Mundo em 700 Cervejas entrou em contato com o monastério de São José, mas ainda não recebeu resposta.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

'Quero provar cervejas com gosto de Brasil' - ENTREVISTA EXCLUSIVA COM GARRETT OLIVER



Em viagem a Nova York no meio deste ano, encontrei o mestre cervejeiro da Brooklyn Brewery, Garrett Oliver, por acaso, bar Blind Tiger, no SoHo. Coincidentemente, no dia em que fui levado lá por meu beer-cicerone novaiorquino - um executivo de médio escalão de um banco de investimentos com sede no distrito financeiro da cidade - o bar estava recebendo um evento de degustação de lançamentos e clássicos da Brooklyn, e ele estava lá para dizer algumas palavras alusivas. Amaciado por dois deliciosos exemplares da "reserva do mestre cervejeiro", o wheat wine The Companion e a specialty ale The Concoction, apresentei-me como jornalista e beer blogger brasileiro e pedi uma entrevista.

Ao ouvir que eu era do Brasil, ele abriu um sorriso e topou na hora. Pediu que eu entrasse em contato para vermos os detalhes. Quando o fiz, Garrett veio com uma sugestão muito melhor que a simples entrevista que eu havia sugerido: me convidou para uma visita à cervejaria guiada por ele, junto com um cervejeiro argentino também visitante, e para o jantar harmonizado que promoveria na mesma noite para os distribuidores das suas cervejas na região.

Visitando o depósito: paraíso cervejeiro em forma de pilhas de caixas

À mesa: Local 1, 2 e Sorachi
Foi um passeio de cerca de duas horas, acompanhado por uma taça de single-hop farmhouse saison Sorachi Ace, pelas duas unidades da Brooklyn. A cervejaria em si - na qual conheci o Monster, o gato que ficava aninhado na sala de controle dos tanques de mostura - e um depósito a poucos metros desta. término, ele serviu ainda uma mesa com as suas preferidas da Brooklyn - a strong golden ale Local 1, a belgian dark abbey ale Local 2, Sorachi Ace - e ainda tirou da torneira uma taça da "big" IPA Blast, com uma espuma inacreditavelmente densa e duradoura.
Explicando o rótulo da Local 2

Contou a história do logotipo, desenhado pelo craque Milton Glaser (criador do logo "I love NY"), e da série "Local", estes inspirados no antigo sistema de trens da cidade. No caminho para o jantar, dirigindo seu carro esporte, Garrett fez uma análise das mudanças em curso na área, que estava se recuperando de um longo período de degradação socioeconômica.

A equipe da cervejaria se virando na cozinha, sob o comando do mestre

Cinco deliciosos pratos foram preparados na nossa frente na cozinha-escola de uma loja de especialidades culinárias que abriga cursos de culinária e zitologia. O cardápio incluiu uma raridade que ele ainda estava experimentando, a Wild 1, uma versão da Local 1 fermentada com “Brett” (como ele chama, carinhosamente, as leveduras Brettanomyces bruxellensis). Na sequência, fizemos a entrevista degustando uma dosezinha de lambuja da maravilhosa imperial stout Black Ops – e ainda saí de lá presenteado pela assistente dele com uma garrafa que sobrou da comilança/bebelança.

Plateia formada por distribuidores da Brooklyn

Garrett contou que foi convidado por Juliano Mendes, então à frente da cervejaria Eisenbahn, para fazer o que ele faz de melhor, ou seja: atuar como Embaixador da Cultura Cervejeira. Usar sua eloquência e simpatia para ajudar as pessoas a perceberem a riqueza do mundo da cerveja. Em 2006, participou de alguns jantares ao lado da chef Roberta Sudbrack.
Preparando o molho carbonara

Para ele, a cultura cervejeira brasileira se desenvolveu a partir da base histórica germânica, absorvendo primeiro as influências britânicas (por extensão, as estadunidenses), e, posteriormente, as belgas, em um espaço de cerca de quatro anos. Nos EUA, compara, a chegada da influência belga demorou 20 anos. "De certas maneiras, vocês estão crescendo mais rápido", afirmou.

Garrett deixou escapar, também, seu desejo de ver os brasileiros trabalhando com ingredientes mais característicos do país, citando, inclusive, a cana-de-açúcar, que será usada na saison colaborativa que fará, em novembro, com a cervejaria mineira de alma belga Wäls - ele desconversou quando perguntei sobre planos para o Brasil.

Garrett cobra uma personalidade realmente brasileira nas cervejas. Destaca o exemplo da Colorado com a rapadura. "Eu quero provar algumas cervejas que tenham gosto de Brasil" disse. "minha pergunta para cervejeiros brasileiros é: eu posso ver suas habilidades e a cerveja tem um sabor agradável, agora ... quem é você? O que você tem para nos mostrar?", desafiou, completando em seguida, diplomaticamente como de costume: "Eles vão nos mostrar algumas coisas muito legais, tenho certeza disso".


Missão cumprida, jantar encerrado, Garrett fala de suas experiências como cervejeiro
ENTREVISTA EXCLUSIVA
GARRETT OLIVER // MESTRE CERVEJEIRO DA BROOKLYN BREWERY


Como você vê o que está acontecendo no Brasil?

Bem, o Brasil me fascina, porque ... A primeira vez que fui ao Brasil foi há seis ou sete anos. Conheci a família Mendes, que comandava a cervejaria Eisenbahn. Eles vieram a mim e disseram: “Garret, nós estamos tocando uma cervejaria nova, precisamos de alguém para falar sobre cerveja, comida, a vida, e tudo mais, você pode vir para o Brasil e fazer alguns jantares conosco?”

Vocês promoveram jantares com a chef Roberta Sudbrack, em 2006.

Era um restaurante maravilhoso, sério... tantos lugares maravilhosos, de uma cidade a outra. Então, fui para a fazenda com a família, fui a Bombinhas, onde ficávamos na praia. Eles venderam a cervejaria, mas acho que os veremos novamente no mercado cervejeiro. Agora, eles são meus amigos, e visito o Brasil sempre. Na maioria das vezes, não para fazer negócios, mas só para me divertir. Mas é sempre bom voltar. E eu fiquei fascinado em ver a historia cervejeira que o Brasil tem. Porque eu não sabia, quando fui a primeira vez, que o Brasil tinha uma grande influência germânica na sua história, que gerou uma grande cultura cervejeira.

O que está acontecendo no Brasil agora é o que aconteceu nos EUA no fim dos anos 70?

Talvez, para nós, meados dos anos 90. E, em certos aspectos, vocês estão crescendo mais rápido. Vocês começaram com coisas vindas de uma tradição alemã. Logo, começaram a ver uma IPA aqui outra ali. Agora, vocês estão começando a ver a influencia belga chegando também. Você olha para a cultura cervejeira americana.... talvez você volte a 1983, 1984, e demorou 20 anos para começar a ter influência belga. No Brasil, talvez três ou quatro anos. Então, você vê um encurtamento do tempo de desenvolvimento. Eu vejo gente como o Marcelo da Colorado, e outros caras do Brasil viajando, pegando ideias sobre produção de cerveja, voltando para o Brasil e fazendo coisas realmente interessantes. Então, agora eu penso que vocês tem uma base, que começou com a herança alemã, depois adicionou a inglesa, depois a americana, belga... Eu acho que isso é o mais interessante... Eu quero ver alguém fazer uma cerveja com caju. Eu quero ver alguém fazer uma cerveja que tenha uma característica brasileira distinta. Talvez trabalhar com os produtores de cachaça para fazer alguma coisa com o caldo da cana, ou alguma coisa com esses aromas. Olhe o que a Colorado está fazendo com o açúcar da rapadura... e coisas como essa, para desenvolver sabores brasileiro distintos, eu acho que isso vai ser bem legal.

Você trabalhava para a HBO antes de ser cervejeiro. Quando voltou da Inglaterra, depois de ter provado cervejas de tantos sabores diferentes, pensou que aquilo mudaria sua vida de tal forma?

Não foi assim tão rápido, porque eu tinha um bom trabalho, estava ganhando um bom dinheiro, as coisas estavam bem fáceis. Então, quando que você sai de fazer outra coisa para fabricar de cerveja, na maioria dos casos você descobre que as coisas vão de "serem fáceis" a "serem difíceis". Mas isso é uma das coisas que faz a indústria cervejeira tão apaixonada, é que as pessoas tenham desistido de muita coisa. Elas saíram de empregos que estavam pagando-lhes um bom dinheiro, que tinham um futuro claro, e ainda tinham que pagar por suas casas, seus carros, seus filhos e tudo mais. Mas eles disseram, ainda assim: “Eu estou deixando de ser bancário, estou deixando de ser advogado, vou ser cervejeiro em vez disso. Vou ser feliz”. E isso é a coisa inspiradora. É por isso que o movimento da cerveja artesanal é tão inspirador, porque as pessoas desistiram de muita coisa, para fazer o que eles vão fazer. E agora que eles estão aqui, dizem: "Não vou me submeter. Vou fazer o que eu quero".

E como foi, para você a mudança?

Bem, foi difícil em alguns aspectos. Especialmente porque ... é você deixar de estar confortável para ficar com muito calor e se queimar. É como trabalhar na cozinha. Não é glamouroso. Pode ser divertido, mas não é glamouroso. Tem mangueiras e canos... mas há partes românticas. E eu acho que você tem que sentir aquilo. Se não está no seu coração, você não vai fazer. Não vale a pena, eu quero dizer. Você vai trabalhar muito, muito duro. Muitas pessoas pensam: “Ah, olha, todo mundo está falando sobre fabricação de cerveja artesanal, e há esses caras novos”... e então você vai lá, e eles dizem: “Cara! É muito quente aqui, isso é muito difícil. Eu estou fazendo um monte de trabalho de encanador. Fui para a faculdade por quatro anos, tenho nível superior, tenho mestrado, porque estou fazendo todo o trabalho de encanador?” E algumas pessoas vão além e veem a beleza nisto tudo e algumas param no caminho e voltam. É o mesmo que em qualquer outra coisa. Mas eu acho que o que faz a cerveja artesanal são as pessoas, suas ideias, seus sonhos, suas inspirações. As pessoas vão dizer: 'Sabe, há vinte anos, viajei para um lugar especial, e fiquei com um monte de sabores na cabeça e agora estou traduzindo esse monte de sabor em todos os tipos de cerveja.

Tem planos para o Brasil?

Bem, ainda não ... Tenho certeza de que o Brasil tem planos para o o Brasil, mas nós ... Nosso plano para o Brasil é só para ... já estamos envolvidos lá há alguns anos, conhecemos um monte de cervejeiros há alguns anos, e nós só queremos ser parte da cena e nos divertirmos. Quero dizer, obviamente, o Brasil é um país que, por 20 anos, ou mais, as pessoas têm dito: 'Brasil é o próximo grande país', e levou um pouco de tempo ... não só na cerveja. Na economia, etc. E agora você começa a ver: ok, finalmente agora está acontecendo, o Brasil vai se tornar, de certa forma, uma potência mundial, e um lugar em que as pessoas têm que prestar atenção. As pessoas têm prestado atenção por um longo tempo para a música e algumas outras coisas, mas nunca prestaram atenção à cerveja brasileira. Anos atrás, tínhamos a Xingu, que supostamente era a cerveja brasileira, e só. E não há nada de errado nisso, mas a cerveja brasileira é muito mais interessante do que isso. Então, o que eu estou animado é em ver o que os novos cervejeiros brasileiros vão fazer, quais serão suas ideias. Eles podem ter influências de outros lugares, farão boas cervejas algo parecidas com as nossas, ou algo como as belgas, mas acho que vai acontecer no Brasil é que as pessoas vão fazer cervejas que são essencialmente brasileiras, e que é o que é vai ser emocionante. Quando ouço música brasileira, eu digo: Isso é música brasileira. Nós pegamos coisas de música brasileira, mas ainda parece com o Brasil. Eu quero provar algumas cervejas que tenham gosto de Brasil. E nos próximos anos, é o que você vai ver. E isso é o que mais me anima. É ótimo que as pessoas façam outras coisas, você sabe, mas ... ok, mas a minha pergunta para cervejeiros brasileiros é: eu posso ver suas habilidades e a cerveja tem um sabor agradável, agora ... quem é você? O que você tem para nos mostrar? Eles vão nos mostrar algumas coisas muito legais, tenho certeza disso.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Desmistificando a IPA: um britânico em busca da verdadeira origem da India Pale Ale

Adição de lúpulo para a cerveja 'resistir à viagem à Índia' é a base da lenda. DIVULGAÇÃO/HEINEKEN

Recebi alguns cumprimentos por ter escrito, recentemente, que há controvérsias sobre a onipresente descrição de que a India Pale Ale, a popular IPA, "foi criada com uma dose extra de lúpulo para suportar a viagem até a Índia, na época do Império Britânico". Agradeço-os, mas não posso aceitá-los. O crédito desta contestação bastante impopular - a lenda facilita bastante contar a história - pertence principalmente, pelo que pudemos apurar, ao jornalista britânico Martyn Cornell, autor do excelente blog Zythophile.

Na versão mais detalhista da lenda, existe até um herói e uma data. Cornell, em seu trabalho, buscou desconstruir ambas - e, pela aparente ausência de réplica aos seus argumentos, conseguiu. Primeiro, ele traçou o caminho da lenda ao livro "Burton-On-Trent: Its History, Its Waters, and Its Breweries", de William Molynaux, de 1869, que não citava fontes.

Cornell: desconstruindo o senso comum. REPRODUÇÃO/ZYTOPHILE
A ideia de que a cerveja até então não sobrevivia à viagem não resiste à análise de menções encontradas por ele em suas pesquisas de que as porter e um certo "vinho de malte" aguentavam muito mais do que os quatro meses de viagem entre a Grã-Bretanha e a Índia, por meio do Cabo da Boa Esperança. O comércio de cerveja entre a metrópole e a colônia estava estabelecido pelo desde 1711, segundo mostra uma balança comercial da Índia da época.

Sem negar a proeminência de Hodgson no comércio de cerveja com a colônia britânica Cornell analisa:
Outro mito é que os cervejeiros ingleses estavam ansiosos para entrar no mercado indiano. De fato, no início do século 19, o mercado era muito pequeno, apenas 9.000 barris por ano, igual a menos de meio por cento dos dois milhões de barris produzidos em Londres todo ano. Hodgson provavelmente tinha cerca de metade do mercado indiano, mas isso provavelmente, em grande parte, porque ele sua cervejaria era perto de onde os navios da Companhia das Índias Orientais aportavam, e porque ele estava disposto a permitir aos capitães (...) crédito dilatado, de até 18 meses, na cerveja que compravam dele.
Os artigos de Cornell a respeito das origens da India Pale Ale, legítimo fenômeno no mercado cervejeiro, merecem ser lidos com toda atenção. E questionados, se necessário, claro. Se na busca de fontes históricas confiáveis a pesquisa dele merece grandes elogios, no pensamento econômico, me parece que ficou devendo um pouco. O fato de o mercado indiano ser tão pequeno, em princípio, não é prova de que ele não possa se expandir. Muitos economistas que conheço diriam o contrário: que é um mercado com potencial de expansão enorme, virtualmente inexplorado.

Suas pesquisas levantam ainda lacunas importantes de informação como a proporção dos lúpulos usada na receita de Hodgson e reenquadram certos marcos temporais - como o de que a denominação India Pale Ale não foi usada antes de 1835; até então, eram normalmente chamadas “pale ales preparadas para o mercado da Índia (ou das Índias Ocidentais e Orientais)” ou coisa semelhante.

O inegável que ele reuniu elementos convincentes de que a verdade, como de costume, está bem longe do senso comum. Para quem quer escapar do senso comum, fica a dica.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Barão Vermelho será a próxima banda brasileira a lançar cerveja com marca própria


Em meio ao desenvolvimento acelerado do mercado cervejeiro do Brasil, a mistura entre rock n' roll e cerveja tem dado resultados positivos. Depois de Sepultura, Velhas Virgens e Blues Etílicos, mais uma famosa banda brasileira entrará no mercado de cervejas, ainda este ano.

Com lançamento previsto para novembro, a banda Barão Vermelho vem com força para entrar nesse mercado, segundo afirmaram ao blog A VOLTA AO MUNDO EM 700 CERVEJAS pessoas próximas ao projeto. A cervejaria responsável deverá ser do Rio de Janeiro.

Ainda não sabemos o estilo que será produzido, já que, segundo as fontes, ainda está em processo de decisão. É provavel que seja algo de grande aceitação, a exemplo da weiss produzida para o Sepultura pela Bamberg e da helles do Blues Etílicos, que traz a assinatura da Mistura Clássica.

Pesquisa da Unesp de 2006 já apontava altos índices de milho na cerveja


Poucas sensações são piores para um repórter do que ver outro publicando antes aquilo que você tinha nas mãos e demorou a publicar. Pois eis que no sábado, em pleno curso de Degustação e Análise Sensorial de Cervejas da Amanda Reitenbach, no bar Granel, começo a ver pipocar posts comentando a pesquisa da USP sobre a quantidade de milho nas cervejas, na reportagem de José Reinaldo Lopes na Folha de S. Paulo, excelente e veterano especialista em cobertura de ciências. Depois de uma semana de autoflagelação ("eu podia ter postado antes") por ter ficado atrasando, tomei coragem para ler o texto inteiro, e achei que havia algumas considerações a tecer.

A elas, portanto.

As pesquisas em direção a um método de identificação dos compostos da cerveja por meio de análise dos isótopos de carbono começaram na década de 1980, mas havia dificuldades para diferenciar o perfil de carbono da cevada do perfil do arroz. O trabalho "Determinação do percentual de malte de cevada em cervejas tipo pilsen utilizando os isótopos estáveis do carbono (δ13C) e do nitrogênio (δ15N)" de Muris Sleiman, Waldemar Gastoni Venturini Filho, Carlos Ducatti e Toshio Nojimoto, na UNESP de Botucatu, iniciado em 2002 e concluído em 2006, conseguiu dar passos além ao incorporar justamente o que a indústria alega que falta na pesquisa de agora da USP: a análise complementar dos isótopos de nitrogênio. E o que eles encontraram?
“Foram analisadas 161 amostras de cervejas provenientes de dezessete estados do Brasil. Concluiu-se que 95,6% utilizaram malte e adjunto cervejeiro (derivados de milho ou açúcar de cana: 91,3% e derivados de arroz: 4,3%) em sua formulação e outros 4,3% eram cervejas 'puro malte'. Das amostras analisadas, 3,7% eram cervejas com menos de 50% de malte em sua formulação (adulteradas), 28,6% delas estavam na faixa de incerteza, para qualquer tipo de adjunto e 67,7% apresentaram malte dentro do limite legal estabelecido.” (SLEIMAN, 2006)
Vale acrescentar que foram 60 diferentes marcas, procedentes de 63 fábricas, localizadas em 56 cidades do país. Os parâmetros físico-químicos das cervejas foram avaliados no Laboratório de Bebidas do Departamento de Gestão e Tecnologia da Faculdade de Ciências Agronômicas, e as análises da composição isotópica das bebidas, no Centro de Isótopos Estáveis Ambientais em Ciências da Vida do Instituto de Biociências.

Faixa de incerteza”, destaque-se, é o eufemismo técnico para "há risco de o consumidor estar comprando gato por lebre". Sabendo disso, vamos ler de novo, então, de outra maneira:

A análise mostrou que só pouco mais de DOIS TERÇOS das cervejas analisadas, ou seja, 108 das 161, possuíam COM CERTEZA percentual de malte até o permitido pela lei. Sobre as 53 restantes... sabe-se lá, não é mesmo? Mas os 28,6% não podem ser considerados adulterados além da famosa “dúvida razoável” dos tribunais. Os autores dizem que elas se encontram “no limite da legalidade”.

MINISTÉRIO DA AGRICULTURA APOIOU COLETA

O Ministério da Agricultura, diferentemente do que a Schincariol deu a entender, em sua declaração à Folha, conhece a metodologia há oito anos e não só a aprova como, ao saber da pesquisa da Unesp, ajudou-a na coleta das amostras em quase todos os 19 estados produtores de cerveja à época. Exigiu, porém, sigilo em relação às marcas. Portanto, infelizmente, não é possível determinar se são as mesmas marcas identificadas pela USP. Fica para a imaginação de cada um. A conclusão do estudo, pode-se dizer, foi branda e racional, como convém aos cientistas:
A fraude não é uma prática disseminada no mercado cervejeiro brasileiro que (sic) apresenta apenas problemas pontuais.” (idem)
À indústria, sempre resta o jus sperneandis (o "direito de espernear", como se diz em juridiquês bem-humorado), alegar que os estudos são falhos, que não é por aí, etc. A verificação dos isótopos é bastante consagrada, cientificamente, em diversos tipos de análise de bebidas. Se tudo o mais falhar , há ainda o mantra de que o uso de adjuntos é normal, suavizante, paladar do brasileiro, calor tropical, blábláblá.

A questão, no entanto, não é se a cerveja fica pior ou melhor com mais ou menos milho ou arroz. Está na informação devida ao público. Se a utilização de milho e outros adjuntos não impacta negativamente na qualidade do produto, como afirmam, porque não torná-la clara nas embalagens, nos rótulos? Os consumidores devem se contentar com a descrição de "Cereais não maltados" (quando aparece)?

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Consumo maior de cerveja aquece mercado de malte, matéria-prima básica da bebida

Grãos de cevada são usados para fazer o malte, matéria prima fundamental da cerveja (Divulgação/Heineken)

A temperatura está subindo no mercado de malte brasileiro. A compra do controle da Malteria do Vale pela francesa Soufflet, em agosto, por um valor não revelado - o que geralmente acontece quando a "adquirente" paga demais ou de menos pela "adquirida" - foi o sinal mais claro de que a expansão do consumo mundial de cerveja deverá ter repercussões profundas no Brasil. O país, afinal, é um dos maiores produtores mundiais de alimentos e a tendência é que cresça ainda mais nesta área nos próximos anos.

O malte é a matéria-prima fundamental da cerveja. É o grão, normalmente de cevada ou trigo, que é deixado em meio úmido para começar a germinar e depois passa por secagem - que interrompe a germinação. A intensidade do calor e o tempo da secagem dão cor ao malte, influenciando a cor e o sabor da cerveja. Ele é cozido com água, filtrado, e o resultado do processo, o mosto, recebe o fermento, que produzirá gás carbônico e álcool, completando a magia. Grossíssimo modo, já que os sabores e os aromas dependem também de outros elementos, as cervejas feitas com maltes claros, geralmente, lembram pão e biscoito, as avermelhadas, caramelo e nozes, e as escuras, café e chocolate amargo.

Jean-Michel Soufflet, presidente da Soufflet
A Malteria do Vale fica em Taubaté, em São Paulo, e produz 105 mil toneladas por ano. Com a participação nesse negócio, a Soufflet chega a 2,14 milhões de toneladas por ano (que o Valor exagerou para 5 milhões), ficando "apenas" 200 mil toneladas atrás da líder Malteurop.
Nas entrevistas que deu a respeito da negociação, o presidente da Soufflet, Jean-Michel Soufflet, destacou que a aquisição, a primeira da empresa fora do país, é parte da estratégia global da empresa em dois níveis: um, para acompanhar a concentração das indústrias cervejeiras em gigantes transnacionais, e dois, para brigar com a dona do pedaço no mercado de malte.

Em bom português: grandes chances de os gringos quererem nosso malte para vender ao resto do mundo. O malte produzido nacionalmente já é pouco - cerca de 40% do total consumido pela indústria, segundo fontes do setor - e periga fica ainda mais escasso.

A Ambev, que representa 70% do nosso mercado, sentiu o calo doer em seu balanço mais recente. O custo por volume subiu 3,4% e parte disso foi culpa, segundo a empresa, do "aumento dos custos das matérias-primas, princialmente o malte". Segundo estimativas de especialistas, o malte representa em média um peso de cerca de 75% no custo total da matéria-prima e 5% do preço total do varejo.

Principal cliente das maltarias brasileiras, a Ambev já começou se defender de uma possível redução da oferta já sofrível no mercado interno.

Nos próximos meses, a gigante deverá inaugurar sua quarta maltaria, em Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, com capacidade para 110 mil toneladas por ano. O investimento é de R$ 200 milhões.

A empresa também sinalizou discretamente que apoiará os que quiserem arriscar investimentos. Não faz muito tempo, o Governo do Estado de Santa Catarina anunciou que a Cooperativa Agrária, uma da principais fornecedoras da Ambev, vai gastar R$ 212 milhões para construir mais uma maltaria. A unidade, a terceira da Agrária, produzirá 80 mil toneladas de malte por ano a partir de 2015. Atualmente, a cooperativa tem produção total de 240 mil toneladas por ano.

Não encontramos registros de movimentações semelhantes por parte da Heneiken, outra megacervejaria multinacional instalada em terras brasilis. As outras grandes cervejarias, se o fizeram, fizeram na surdina. Como não têm capital aberto, ou seja, não negociam ações na bolsa de valores, não precisam tornar públicas uma série de dados.