sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Desmistificando a IPA: um britânico em busca da verdadeira origem da India Pale Ale

Adição de lúpulo para a cerveja 'resistir à viagem à Índia' é a base da lenda. DIVULGAÇÃO/HEINEKEN

Recebi alguns cumprimentos por ter escrito, recentemente, que há controvérsias sobre a onipresente descrição de que a India Pale Ale, a popular IPA, "foi criada com uma dose extra de lúpulo para suportar a viagem até a Índia, na época do Império Britânico". Agradeço-os, mas não posso aceitá-los. O crédito desta contestação bastante impopular - a lenda facilita bastante contar a história - pertence principalmente, pelo que pudemos apurar, ao jornalista britânico Martyn Cornell, autor do excelente blog Zythophile.

Na versão mais detalhista da lenda, existe até um herói e uma data. Cornell, em seu trabalho, buscou desconstruir ambas - e, pela aparente ausência de réplica aos seus argumentos, conseguiu. Primeiro, ele traçou o caminho da lenda ao livro "Burton-On-Trent: Its History, Its Waters, and Its Breweries", de William Molynaux, de 1869, que não citava fontes.

Cornell: desconstruindo o senso comum. REPRODUÇÃO/ZYTOPHILE
A ideia de que a cerveja até então não sobrevivia à viagem não resiste à análise de menções encontradas por ele em suas pesquisas de que as porter e um certo "vinho de malte" aguentavam muito mais do que os quatro meses de viagem entre a Grã-Bretanha e a Índia, por meio do Cabo da Boa Esperança. O comércio de cerveja entre a metrópole e a colônia estava estabelecido pelo desde 1711, segundo mostra uma balança comercial da Índia da época.

Sem negar a proeminência de Hodgson no comércio de cerveja com a colônia britânica Cornell analisa:
Outro mito é que os cervejeiros ingleses estavam ansiosos para entrar no mercado indiano. De fato, no início do século 19, o mercado era muito pequeno, apenas 9.000 barris por ano, igual a menos de meio por cento dos dois milhões de barris produzidos em Londres todo ano. Hodgson provavelmente tinha cerca de metade do mercado indiano, mas isso provavelmente, em grande parte, porque ele sua cervejaria era perto de onde os navios da Companhia das Índias Orientais aportavam, e porque ele estava disposto a permitir aos capitães (...) crédito dilatado, de até 18 meses, na cerveja que compravam dele.
Os artigos de Cornell a respeito das origens da India Pale Ale, legítimo fenômeno no mercado cervejeiro, merecem ser lidos com toda atenção. E questionados, se necessário, claro. Se na busca de fontes históricas confiáveis a pesquisa dele merece grandes elogios, no pensamento econômico, me parece que ficou devendo um pouco. O fato de o mercado indiano ser tão pequeno, em princípio, não é prova de que ele não possa se expandir. Muitos economistas que conheço diriam o contrário: que é um mercado com potencial de expansão enorme, virtualmente inexplorado.

Suas pesquisas levantam ainda lacunas importantes de informação como a proporção dos lúpulos usada na receita de Hodgson e reenquadram certos marcos temporais - como o de que a denominação India Pale Ale não foi usada antes de 1835; até então, eram normalmente chamadas “pale ales preparadas para o mercado da Índia (ou das Índias Ocidentais e Orientais)” ou coisa semelhante.

O inegável que ele reuniu elementos convincentes de que a verdade, como de costume, está bem longe do senso comum. Para quem quer escapar do senso comum, fica a dica.

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