terça-feira, 3 de setembro de 2013

ARTIGO: A Internacional Social-Cervejista, por Anderson Soares dos Santos

'Quem bebe cerveja ajuda a agricultura'
Até pouco tempo atrás – em termos históricos –, na Alemanha, a cerveja era um produto exclusivamente artesanal. Era comercializada no próprio local da produção, a Brauhaus, que lembrava, em seu conceito, uma padaria. Centenas ou milhares de litros feitos com métodos arcaicos, tendo como matérias-primas, basicamente, água, malte e lúpulo. Esta realidade só veio a mudar após a Segunda Guerra Mundial, quando as megacorporações cervejeiras entraram de fato na Alemanha e popularizaram a pilsner, como ocorreu também em outros países.

A padronização – deletéria – fez a cerveja chegar a todos os cantos do mundo. Deixou de ser um fenômeno regional, artesanal, pra ser mais um produto industrial qualquer: acessível, de qualidade questionável, e o mais importante, barato. A produção em série atendeu apenas os anseios daqueles que veem os produto como mera forma de capitalizar. Para estes, vender cerveja é como vender óleo diesel, madeiras ou desinfetantes.

O conceito de “alienação do trabalho” do pensador alemão Karl Marx cai como uma luva na questão cervejeira. O artesão, antes “dono do processo”, detentor do conhecimento, foi relegado à mera condição de operador de máquinas, sem poder para definir o que e quando produzir. A transmissão do conhecimento cervejeiro passou a se resumir a quais botões apertar.

Entrou em cena um exército de reposição de envasadores, carregadores, operadores de produção e demais operários. Nenhum deles primordial para o funcionamento da máquina, podendo ser substituídos a qualquer momento. A ciência cervejeira dava mais um passo para trás.

A mudança praticamente dizimou a diversidade da cerveja, não só na Alemanha mas em todo mundo. Certos estilos entraram em risco de extinção, assim como aconteceu com as pequenas cervejarias, que acabaram sendo engolidas, pois não tinham condições de competir com os industriais em termos de preço.

Foi neste cenário, décadas depois, que ressurgiu a cerveja artesanal, resgatando toda a tradição abandonada e que corria sérios riscos de se perder. No entanto, a diversidade permanece relativamente pobre. A variedade de cervejas produzidas tanto pela indústria quanto por grande parte dos cervejeiros artesanais não passa dos dedos de uma mão (muitas vezes, pilsner, weiss, porter/stout, IPA e alguma belgian ale).

O cervejeiro artesanal sonha em fazer pouco mais que ‘pizza de mozzarela’, mas uma pizza bem feita, com os melhores ingredientes, bem preparados assados e no seu tempo certo. Mas, logo que atinge um padrão de qualidade considerável, começa a pensar em crescimento, expansão, automatização... tal qual o capitalista detentor dos meios de produção.

Isto mais parece um instinto presente em cada um de nós, e que lembra um defeito de um sistema robótico capaz de levar à autodestruição. A qualidade da cerveja também tem a ver com a maneira que é feita, seu grau de dificuldade ou raridade. É o trabalho de muitas mãos e cérebros hábeis. Atentem para o fato que ninguém joga fora sua taça de champanhe quando esquenta, mas pode fazê-lo com seu copo de cerveja. Quando se vê algo assim, há que se pensar pelo menos como tal produto foi produzido e quais foram seus desafios.

Temos alguns exemplos no Brasil de pequenos produtores que expandiram suas atividades, e as qualidades que mais aguerridamente defendiam vão por “cerveja abaixo”, se permitem o trocadilho. Ou, como dizem os alemães, Hopfen und malz verloren.

É certo que a cerveja pode ser feita por um HAL 9000 qualquer. Aos que a fazem assim, meu respeito, pois em nenhum momento dizem que seu produto é artesanal, embora fosse mais honroso dizer que é produto da Máquina X. Não quero parecer ludista, apenas expor algumas contradições do setor.

A paixão e o romantismo estão frequentemente ameaçados pela ganância e pelo capital, e muitos nem sentem estar “caminhando para o nada”. Você, cervejeiro, certamente não bebe rótulos, nem come publicidade.

Afinal... o que é artesanal, o que é caseiro? O que é cerveja? O julgamento é seu!

10 comentários:

  1. Se vivêssemos em um país comunistas, onde o capital (mercado) fosse substituído pelo poder da burocracia estatal partidária, provavelmente as cervejarias seriam nacionalizadas (expropriadas), seus donos seriam hostilizados e o controle das cervejarias artesanais passariam para as mãos de um líder do partidão que nada entenderia de cerveja.

    Após alguns anos as fábricas começariam a entrar em colapso, o produto ficaria escasso e se tornaria uma bebida exclusiva dos líderes do partidão.

    E o povão seria obrigado a fazer moonshine escondido no porão, com qualquer cereal que encontrasse, já que não poderia plantar cevada uma vez que o cultivo deste cereal seria um monopólio estatal do estado comunista.

    Hoje uma das nações mais capitalistas do planeta detém várias cervejarias artesanais fantásticas, tendo inclusive liderado o movimento mundial do craft beer, cujo mercado compete de igual para igual, e algumas vezes até superior as tradicionais cervejarias do velho mundo.

    Continuo acreditando nas forças do livre mercado, no mérito e no estado de direito proporcionado por algumas democracias capitalistas ocidentais. Sempre haverão pessoas que preferem beber cerveja industrial e outras mais exigentes que pagam mais para ter uma cerveja de qualidade superior. Porém a massificação não está ligada diretamente ao capitalismo. E marxismo não é o caminho para se ter cerveja de qualidade superior.

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    1. Concordo que o marxismo não pode ser tido com caminho para melhorar a cerveja, contudo, afirmar que o capitalismo não está diretamente ligado a massificação é um equívoco, uma vez que o capitalismo surge juntamente com a evolução mercantilista a partir da Revolução Industrial, ou seja, sim, o capitalismo gerou a massificação e é sim uma ligação direta. Agora, se você pegar, por exemplo, a produção de Rum e Charutos cubanos, verá que o regime comunista não leva a um empobrecimento das produções artesanais.

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  2. Não é possível que alguém ainda queira adotar lógica Gramcista até no mundo da cerveja. Me desculpe a sinceridade, nem conheço o autor, mas a tentativa de validar um conceito marxista chega a ser patética.
    Primeiro porque nos países de orientação marxista é onde mais houve a tal "apropriação" do trabalho. Apenas uma fábrica de cerveja produzindo um único estilo determinado pela burocracia e, sim, em grandes fábricas. Pequenos artesãos? No marxismos existem massas e não indíviduos. Para atender a demanda das massas o estado controla os meios de produção. Não existem artesãos (o que chamaríamos de pequenos empreendedores).
    Segundo porque foi em um ambiente capitalista que os artesãos modernos ressurgiram (EUA). Pequenas empresas, ambiente competitivo, empreendedores locais competindo por mercados locais ... opa, isso é teoria liberal. Foi a ganância e o capital que proporcionaram a revolucão da cerveja artesanal na qual você surfa agora. Os cervejeiros americanos são exemplos do capitalismo real.
    Finalizando, se você é contra as grandes corporações transnacionais com seus benefícios fiscais e práticas concorrencias desleais, saiba que nós liberais também somos. A diferença é que nós queremos mais pequenas empresas, mais competição, mais diversidade.
    Vocês, marxistas, querem trocar um oligopólio por um monopólio, onde um burocrata vai decidir o que todos iremos beber! Gramsci fez escola!

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  3. Camaradas quis com o texto mostrar algumas das incoerências dos cervejeiros artesanais, tanto esses que "pularam" para uma panelinha elétrica que tudo faz, quanto esses que foram para a planta industrial e repetiram todos os "vícios" (Que tanto criticavam diga-se de passagem) das grandes cervejarias. Quando falei da alienação do trabalho, ilustrei o caso da perda do conhecimento, e negar isso é estar vendado para os fatos.

    Alguns ligaram o tema a URSS, Gramsci etc, falaram até de "Estado comunista". Ora o comunismo prega o fim do Estado. Os socialistas assim como os anarquistas buscam o comunismo sendo apenas suas práticas e modos diferentes. Por fim nem tocaram em outro tema fundamental, a pobreza de estilos, no entanto seguiram apenas com uma leitura seletiva caçando meios para derrubar todo o texto, como se isso fosse uma competição, onde refutar o autor é o que mais importa.

    Cordialmente,
    Anderson Soares dos Santos - Cervejeiro Artesanal e mebro da "Zertifiziertes Mitglied der "Worschtmarktbrauerbubenbieratenbartei" WBBBB"

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  4. Excelente texto!

    Não dê ouvidos às críticas estreitas.

    Achei sua leitura muito interessante porque fala sem o dogmatismo de achar que a produção limita-se ainda hoje somente a uma lógica de produção fabril, reconhecendo as novas formas de produção que o próprio desenvolvimento do capital trás, como fala como alguém que compreende os métodos de produção artesanal.

    Interessante ver como o "artesanal" é re-significado para construir uma diversificação de um mesmo produto para atingir "consumidores" diferentes.
    Achei interessante isso que você pontua, porque não é de fato o tradicional, modifica-se.

    Teremos muitos debates pela frente!

    Saudações!

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  5. Segundo a lógica dos defensores do capitalismo, as cervejarias da Alemanha oriental acabaram e o povo alemão ficou sem cerveja do lado socialista, enquanto se esbaldava no lado capitalista, o que é uma grande mentira. As cervejarias da Alemanha Oriental mantiveram suas operações tradicionais durante muito tempo, pois não concorria com as american lagers que conquistava a juventude na Alemanha Ocidental, com seu gosto aguado e gaseificado, e com seus preço baixo. Foram justamente essas cervejas feitas com esmero, no lado socialista, que serviu de exemplo para as cervejarias americanas. Ou vocês acham que foi a lógica do lucro que motiva esses cervejeiros da terra do tio sam?

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    2. Pois é Tegnus, você abordou o tema duma outra forma que eu mesmo negligenciei. Ótima análise.

      Obrigado pelo comentário!
      Abraços

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  6. Prezado "Luisão",

    Seus comentários foram excluídos por violar as normas de comentários do blog. Não permitimos a postagem de conteúdo ofensivo.

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