quinta-feira, 27 de outubro de 2011

# 31 Boon Kriek e # 32 Boon Marriage Parfait - Cervejas selvagens da Bélgica



Ok, eu confesso. Depois da experiência da Baltika, acabei atrasando o post porque não tava a fim de colocar outras experiências não muito agradáveis, digamos, com duas lambic da Boon que achei na faixa dos R$ 25 a garrafa de 330 ml.

Tinha visto algumas referências ainda meio esparsas sobre os resultados, mas o conceito me impressionou e me agradou. Em tese, era genial. As lambic – o nome vem provavelmente da cidade belga de Lembeek, na região de Brabante, onde são muito produzidas – são cervejas selvagens, como afirmou o sábio Michael Jackson (não o Rei do Pop, mas isso é outra história). "Selvagens", no caso, não é força de expressão.




Escreveu Jackson*:

"Por que persistir num método de produção difícil, lento e imprevisível, se cervejeiros e cientistas há séculos vêm lutando contra todas essas dificuldades? Porque as cervejas feitas com leveduras selvagens têm uma espontaneidade que as leveduras cultivadas não podem alcançar. A comparação poderia ser com música ao vivo versus uma gravação impecável; Django Reinhardt versus Yehudi Menuhim, bebop versus barroco".

A menção a Django Reinhardt (cuja música é outra grande paixão minha, também expressa em blog, pensei que estava tudo certo. Se cerveja fosse música, as lambic seriam jazz. Lindo. em tese.

Os cervejeiros de lambics não selecionam as leveduras (fungos microscópicos) adicionadas ao malte (grãos que tiveram a germinação interrompida) para fermentar a coisa toda e fazer a mágica acontecer. Grosso modo, eles abrem o panelão e deixam cair o que o vento trouxer. Como se fazia antes desses bichinhos minúsculos serem descobertos, quando as pessoas atribuíam a cerveja a um milagre do Criador – e quem em sã consciência há de negar?



A cada ano, portanto, é uma cerveja quase nova. Nem sempre, inclusive, dá certo. É o método de tentativa e erro. Acreditem, são cervejas para os experientes. Não pelo teor alcoólico, mas pelos paladares extremos que podem assumir. A menos que você aprecie muito sabores radicais, ou for tarada(o) por coisas ácidas, como vinagres, sugiro conter os ímpetos.

A Kriek recebe cereja (kriek, em flamengo) na composição, 240 gramas para cada 1 kg de malte. A cor vermelha e o cheiro de cereja e frutas vermelhas não apontaram sequer uma cerveja, lembraram mais um espumante tinto. A espuma, aliás, foi rala e desapareceu rápido. Muito "vinificada" pro meu gosto, frutada, pouco álcool, bem escondido pelos sabores fortes.

Apesar de ser de cereja, o adocicado passa longe, ela estava bem puxada para o azedo. Amargor muito leve, e mais presente no final. O gosto demora a desaparecer e deixa mais ainda sensação de vinho. Aliás, parece realmente que alguém jogou um pouco de chopp numa taça de vinho. Esquisito. Deve ter seu público, mas eu prefiro cerveja com gosto de cerveja.

Depois, fui para a Geuze Marriage Parfait. As geuzes (ou gueuzes) são misturas de duas ou mais lambics, jovens e envelhecidas. Devia ter desconfiado logo de uma cerveja que oferece um oximoro – casamento perfeito. Mas fui, crente que seria uma experiência importante. Quanto a isso, não estava errado, mas não posso dizer que fui capaz de apreciá-la.

A cor é bonita e profunda – âmbar para cobre claro – bastante turva. Os sedimentos, escuros, ficam logo aparentes, a maior parte ficou depositada no fundo do copo e um pouco em estado suspenso. A espuma se apresentou média, de curta duração. Já o cheiro começava a denotar que havia algo de estranho...

O malte apareceu pouquíssimo, com o lúpulo presente e um caráter avinagrado que realmente deve ser para gostos mais apurados. Segundo a descrição dos especialistas, tem especiarias e toques de baunilha. Não achei nada disso. O azedume dominou o paladar todo. o álcool aparece um pouco também, assim como o lúpulo. O final foi seco e ligeiramente amargo. Terminar a garrafa foi meio sacrificante.

A Boon, que fabrica ambas, traça sua origem a uma fazenda transformada em cervejaria e destilaria em 1680, que 180 anos depois passou a se chamar Brasserie de Saint Roch, criada por um certo Louis Paul. Este a vendeu em 1898 a Pierre Troch, que a passou ao filho, René, que vendeu tudo em 1927 bartender Jean de Wits, que por sua vez a passou ao filho – outro René – que em 1978 a vendeu a Frank Boon, com quem permanece até hoje.

Após três anos de experiência no mercado de lambics, Boon havia chegado à conclusão de que estava na hora de ter sua própria produção. De 1986 a 1989, ele investiu na modernização do espaço e, em 17 de outubro de 1990, fez suas primeiras cervejas. Desde então, a produção cresceu de 450 hectolitros para mais de 11.300 hectolitros em 2009, singelo aumento de 2.500%. Claro que as lambic têm seu público e seus produtores merecem todo respeito, mas não gostei destas que chegaram às minhas mãos. Mas é aí que reside a beleza delas... a próxima safra pode ser bem diferente, então, vale a pena continuar provando. Quem sabe um dia elas me conquistam?





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NOTA: * Guia Ilustrado Zahar: Cerveja (Jorge Zahar Editora, Rio de Janeiro, 2009). Vers. Original: The Eyewitness Companion: Beer (Dorling Kindersley, Londres, 2007).

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